segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A BOCA QUE ENTOA O BERÇO

Arte de Eduardo Nasi

Quando uma mulher demora a ser mãe tem que enfrentar a contingência de perder todos os nomes que desejava para seu filho.

É passar dos 35 anos que os irmãos e os amigos acabam batizando suas crianças com o nome que ela desejava. Será a tia solteirona do cartório.

Ou porque ela inventou de responder qual o nome que gostava, de tanto que os conhecidos perguntavam se já sabia como se chamaria, ou porque ela simplesmente teve azar.

Não existe ainda um copyright de berçário, muito menos um registro de preferência na Biblioteca Nacional.

O sobrinho terá o nome do seu filho pretendido, o afilhado terá o nome sonhado e assim por diante.

Se ela manter sua posição, a família vai virar monarquia e papado: Pedro II, Francisco II, Elizabete II.

Se ela teimar com sua ideia inicial, será criticada pela falta de criatividade — quando não é acusada de invejosa e ciumenta.

A frustração é imensa. Como um vice-presidente assumir a presidência, como um suplente de senador assumir o mandato.

Tenho certeza que muitos nomes esquisitos são de mães desesperadas diante da repentina subtração de suas vontades.

Está deitada no hospital, prestes a fazer o parto, a tevê ligada e cria um nome do nada, da pronúncia, da tradução google das ruas, somente para não sofrer o risco de ser copiada.

Daí nascem “Comigo”, “Cantinho”, “Disney”, “Esparadrapo”, “Ilegível”, “Inelegível”, “Justiça”, “Marciano”, “Pacífico”…

Daí nascem Valdisnei, Uóxiton, Princesadaiana.

Já é nervoso estabelecer um consenso com o pai. Na maioria das vezes, na busca diplomática para agradar a ambos e não provocar divergências, resultam nomes compostos paradoxais como Abelardo Francisco ou nomes hermafroditas como José Maria ou Maria José, típico de casais que queriam menina e menino ao mesmo tempo e não aceitaram o resultado da ecografia.

Não há tarefa mais complicada do que definir o destino de um filho. A gestação tem nove meses de propósito, para garantir a reflexão.

Só que o excesso de tempo confunde. Serão conferidos mapa astral, numerologia, etimologia, livros de educação infantil, um excesso de referências até atingir um veredito.

Depois da trabalheira, da pesquisa e do incansável ibope, quando alguém próximo usa o nome pretendido, a mulher se vê roubada. Roubam sua bolsa d’água. O jeito é gritar por socorro.

Aliás, Socorro é um bom nome, não?






Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
13/8/2014

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