domingo, 5 de julho de 2015

POR QUE ESCREVO SEM PARAR?


Escrevo sem parar, escrevo cinco textos por semana, para que você nunca deixe de se apaixonar por mim.

Escrevo sem parar para que você me abrace pelas costas, e nem lhe veja se aproximar de mim, distraído como sou diante das janelas abertas, que apareça com seus pés de vento e pluma e me enlace e encaixe sua cabeça em meus ombros e diga que me ama suspirando, como alguém que diz um bom dia nos ouvidos.

Escrevo sem parar para lhe convencer do quanto preciso de você, do jeito que for, do jeito que é.

Escrevo para me casar com você, para planejarmos as férias, para um dia você deixar que o nosso filho jogue bola dentro de seu ventre.

Escrevo porque não me dei por vencido, não me dei por satisfeito, não sinto que o meu amor é suficiente para garantir o seu amor e farei surpresas no interior das surpresas até que tudo entre nós seja conhecido.

Escrevo sem parar em qualquer canto ou movimento, com caneta, lápis, teclado e unha na tela, a tinta dos meus escritos estará em seus olhos verdes.

Escrevo sem parar, mesmo que não me leia, mesmo que me esqueça, mesmo que não tenha vontade de falar comigo.

Escrevo sem parar porque há datas quebradas, há datas com uma única asa para voar e o esforço das pernas em correr para ganhar impulso.


Escrevo sem parar porque a água é madura com as pedras redondas no fundo do leito, porque eu sou maduro quando toco os seus pés na cama.

Escrevo sem parar, pois caminho um pouco mais com a boca em cada beijo nosso.

Escrevo sem parar em nome do que não vi, não vi você andando de bicicleta.

Escrevo sem parar para chamar a sua atenção, pela carência que ilumina os meus enganos, pela fé que conserta o meu juízo, pela esperança que refaz a nossa memória.

Escrevo sem parar para curar a sua tristeza, para que não se isole nos pensamentos loucos, para jamais conclua que é melhor ficar sozinha.

Escrevo sem parar para vê-la de novo abrindo a porta de nossa casa.

Escrevo sem parar para admirá-la por encontrar um modo de tomar banho de sol no inverno, ainda que cheia de casacos, com o mesmo tempo de frente e de costas.

Escrevo sem parar porque meu sangue deve ser quente e sua cerveja gelada.

Escrevo sem parar como um mendigo que se cobre de jornal e não lê as notícias que estão em sua cara, que prefere inventar a próxima manhã, absurdamente desatualizado da própria vida e só sabendo de você.

Escrevo sem parar por orgulho e teimosia, por insistência e vaidade, já que não encontrei nada melhor que substituísse seu riso.

Escrevo sem parar pelo dom de confundir o espaço dos travesseiros e me prender em seus cabelos quando deitamos juntos.

Escrevo sem parar, como um animal da respiração, baixo a cabeça e escrevo, este meu violão sem cordas, esta minha flauta sem pinos, este saxofone sem garganta.

Escrevo sem parar a procurar um perdão melhor do que o de ontem, uma confissão mais sincera para amanhã, palavras que confirmem o quanto sou seu desde sempre.

Escrever é a minha decisão de estar com você.


Publicado no jornal Zero Hora
Revista Donna, p.32
Porto Alegre (RS),  21/06 /2015 

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado.